João Vacas
15 de Outubro de 2009
Há dias a revista Nós (n.º 22) do jornal I que foi dedicada ao voluntariado relatava, entre outras, a experiência benemerente de um membro da associação ANIMAL, agremiação que, para além de nos querer prender a todos, promove sessões de insultos e gritos à porta das praças de toiros. Pena foi que o mesmo jornal não tenha ouvido os empresários, toureiros e forcados que, há dezenas de anos, promovem, participam e colaboram gratuitamente em acções de solidariedade, contribuindo em milhares de euros para causas sociais por este país fora.
Naquela entrevista ficámos a saber que o referido militante da ANIMAL anseia por um “mundo vegano” e que tem a “certeza que esse dia chegará”. Importa explicar aos leitores menos familiarizados com o jargão vegetariano radical que “vegano” (ou “vegan”, na sua versão inglesa mais comum) significa não comer, não vestir e até nem tocar em produtos de origem animal. Mais do que isso, implica uma visão do mundo na qual o domínio dos animais pelos homens é equiparado ao racismo, ao sexismo ou à escravatura devendo aquele ser combatido com o mesmo vigor destas descriminações inaceitáveis.
No futuro “mundo perfeito vegano” ninguém comerá carne ou peixe, nem montará a cavalo, nem pescará, nem caçará, nem toureará. Porque fazê-lo é moralmente inaceitável. Homens e “animais não humanos” conviverão em total harmonia cabendo aos primeiros zelar intensamente pelos direitos dos últimos, não se intrometendo no seu desenvolvimento e interesses específicos. Ali, o homem arranca-se a si próprio da natureza e guinda-se à posição olímpica do semi-deus que contempla o resto da criação. Supõe-se que, também ela, lentamente deixará de predar e, evoluindo, passará a conhecer as delícias do vegetarianismo mais completo.
Enquanto esse futuro país das maravilhas não chega (ou regressa, se acreditarmos nas histórias do tempo em que os animais falavam), o voluntário confiante recusa-se a partilhar a sua mesa com os que não comungam do seu asco pelo consumo de “cadáveres”. Faz-lhe “muita impressão e é uma falta de respeito pelos animais que estão ali mortos e aos bocados”, esclarece. De caminho, chama “miúdos” a dois cães abandonados que meritoriamente recolheu e prefere não revelar o nome de uma cadela sofrida que passeia dominicalmente para que não a “demonizem”.
Sobre as corridas de toiros é taxativo. Diz que “vê-se bem qual é o lado civilizado. Nós gritamos ’touros sim, touradas não’ e eles dizem-nos coisas que nem posso repetir, cospem-nos em cima e temos de ter sempre protecção policial”. Pois…
É curioso que tanto apego aos animais e às suas características não lhe tenham incutido idêntico amor pela verdade porque o que afirma peca (no mínimo) por defeito. Como muito bem sabe quem vai aos toiros, aquilo que os anti-taurinos militantes gritam e fazem vai muito para além de slogans ignorantes e afecta muitas vezes a honra e a consideração de actores e espectadores dos espectáculos tauromáquicos (já para não falar nos danos nas praças). A tal protecção policial justifica-se precisamente por causa disso.
Estamos verdadeiramente em lados diferentes da civilização. Somos, aliás, de civilizações diferentes.
Eles são da que nunca existirá; nós de uma que é muitas vezes milenar.
Eles apostam em promover a animalização do homem enquanto propagandeiam a humanização de animais que não conhecem; nós estamos cientes da nossa humanidade e somos conhecedores da natureza, características e potencialidades desses mesmos animais.
Eles são crentes num homem puro, asséptico e desenraizado; nós nas fraquezas humanas e nas suas virtudes, nos seus ritos e tradições.
Eles andam resolvidos a impor totalitariamente a sua visão do mundo; nós em defender as nossas antigas liberdades.
Eles caluniam quem não partilha do seu radicalismo delirante; nós suportamos as ofensas até ao limite do tolerável.
Eles desprezam os que não têm os seus hábitos maniqueus e ofendem quem se dispõe a sentar-se com eles à mesa; nós privilegiamos a amizade, a valentia, o convívio e o respeito pelos mais velhos.
Eles mascaram a sua intolerância em politicamente correcto; nós estamos tão convictos da força e da justeza das coisas autênticas que nos esquecemos de lutar por elas.
* João Vacas é licenciado em Direito e pós-graduado em Ciências Políticas e Internacionais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Profissionalmente é advogado e consultor em assuntos europeus. Foi forcado do Grupo de Forcados Amadores de Santarém nos anos 90.
in www.tauromania.pt