Um pouco de história
O espectáculo tauromáquico tem uma origem comum em toda Península Ibérica, e passou por uma longa evolução desde a Idade Média aos nossos dias, ganhando em arte, perdendo em crueldade e mantendo uma enorme carga sociocultural e religiosa.
Desde os princípios do século XVII que o toureio começa a estabelecer as suas bases, embora apenas no que se refere à lide a cavalo, com o uso do rojão, consequência da evolução da lança dos torneios mediáveis em que a fidalguia já combatia o toiro, com pouco sentido artístico, mas obedecendo às tradições gerais da cavalaria, coadjuvado a pé, pelos seus criados. A prática do toureio a cavalo era, desde esses tempos, considerada um sintoma de virilidade e de nobreza, obedecendo a preceitos especiais de honra e de cavalheirismo.
Em 1669, Carlos II de Espanha morre sem deixar descendência, sendo o problema dinástico resolvido pelo próprio testamento do monarca que designa para o trono o Duque de Anjou, filho segundo doDelfim de França, que viria a ser Filipe V. de sensibilidade diferente, cedo mostrou o seu desacordo com os espectáculos tauromáquicos e tanto bastou para que os fidalgos, evitando desagradar ao soberano, deixassem de sair a terreiro para dominar e matar toiros. O povo, não sentiu essa necessidade de agradar ao rei e dando largas ao seu entusiasmo, continuou a praticar o toureio, tal como vira fazer aos grandes senhores. Surgem os primeiros profissionais e constroem-se as primeiras praças de madeira, às quais acorre em grande número, um público entusiasta.
A necessidade de abrandar o poder dos toiros, fonte de dificuldades para os lidadores a pé, faz manter o toureio montado, mas com uma feição e objectivo diferente. Deixa-se de utilizar o rojão que é substituído pela vara de castigo (a “puya” dos nossos dias), mas o homem a cavalo, o antecessor do actual picador, continuam a ser a figura proeminente da lide pois os intervenientes a pé apenas mantêm acção de relevo quando empunham o estoque para matar o toiro que, já feridos pela vara, não acometem com o ímpeto indispensável.
A animosidade de Filipe V contra o espectáculo tauromáquico fez com que alguns nobres espanhóis passassem a ser presença assídua em arenas portuguesas, onde o toureio a cavalo florescia, tendo a presença desses nobres espanhóis contribuído para a criação das bases do futuro toureio a cavalo, a partir do tronco comum dos valores das ordens de cavalaria.
O toureio a cavalo em Portugal evolui desde então dentro de um quadro em que a equitação académica renascentista se adapta ao combate cavaleiro-toiro. A essa evolução ficam ligados nomes como os do Marquês de Marialva (1713-1799), Mestre Victorino Fróis, João Núncio (1901-1976), José Mestre Baptista (1940-1985) e João Moura.
Em Espanha o toureio a cavalo (rejoneo) tem um percurso diverso do que se passou em Portugal. O rejoneo vem do campo para a arena. Adapta a uma arena o fulgor das fainas camperas. A equitação de campo, o traje curto a sela de reminiscências árabes e por vezes a garrocha, roupas e instrumentos característicos do campo, entram na arena, onde regressa o rojão, numa forma adaptada às circunstâncias do século XX. Como arte, o rojoneo reaparece nas arena, com D. Antonio Cañero (1885-1952) e vai sempre evoluindo com nomes como os de D. Álvaro Domecq y Diez (1917-2005), Irmãos Peralta, D. Álvaro Domecq y Romero, Manuel Vidrié, até chegar ao esplendor de Pablo Hermoso de Mendoza, ginete que funde na perfeição as escolas portuguesa e espanhola, universalizando definitivamente o toureio a cavalo.
Por outro lado, com a proibição dos toiros de morte, em 1837, abre-se espaço à estruturação dos grupos de forcados que entram na arena para executar a pega de caras, ou de cernelha, depois da lide do cavaleiro, e antes de o toiro ser devolvido aos currais. Os grupos de forcados e a sua forma tão peculiar e única de tauromaquia, desenvolvem-se em Portugal e, nos anos setenta do século XX, começam a constituir-se grupos de forcados no México, por influência portuguesa.
Para além de se disseminar pelas colónias espanholas da América Central e Sul, em Espanha, o toureio a pé evolui até aos altos índices de competitividade corporizados pelas grandes rivalidades históricas que são do conhecimento de todos.
E em Portugal?
Nomeadamente às praças do Campo Pequeno e já antes à do Campo de Santana, vieram todos os grandes nomes do toureio a pé de Espanha, França México, Colômbia, Venezuela e Peru. Estamos a falar de nomes como Lagartijo, Frascuelo, Gallito, Belmonte, Manolete, Marcial Lalanda, Pepe Luís Vazquez, Antonio Ordoñez, “EL Cordobés”, Diego Puerta, Litri, “El Viti”, Paco Camino, “Paquirri”, “Espartaco”, José Tomás, “El Juli”, Enrique Ponce e tantos outros, os mexicanos Rodolfo Gaona, as dinastias “Armilla” e Silvetti, Carlos Arruza, Fermín Rivera, Curro Rivera, Eloy Cavazos, e tantos outros.
Apesar de em Portugal ter predominado o toureio a cavalo, sempre houve grandes aficionados ao toureio a pé, modalidade que também conquistou grandes massas populares. Em Março de 1947, Diamantino Vizeu torna-se no primeiro português a tomar a alternativa de matador de toiros (Barcelona), seguido em Agosto do mesmo ano por Augusto Gomes (Constantina) e por Manuel dos Santos (Sevilha, 15 de Agosto de 1948). Manuel dos Santos, Francisco Mendes e Vitor Mendes são os matadores de toiros portugueses de maior projecção internacional. José Falcão foi o primeiro português a morrer em praça (Barcelona 11 de Agosto de 1974). De 1947 até aos nossos dias foram 34 os portugueses a tomarem a alternativa de matador de toiros.
Toiros de morte em Portugal
O espectáculo de toiros foi proibido em Portugal em 1836, pela rainha Dª. Maria II e de novo legalizado pela mesma rainha na Páscoa de 1837. Todavia desde essa data que ficou decretado o fim das corridas com toiros de morte bem como a obrigatoriedade de os toiros saírem à arena embolados. Contudo e um pouco por todo o lado a proibição dos toiros de morte foi muitas vezes violada.
Nos anos de 1927 e 1933 foram autorizadas a título excepcional corridas integrais (com toiros de morte e picadores) em Lisboa e noutras praças, para fins beneficentes. Todavia, o exemplo não frutificou. Em 1951, Manuel dos Santos matou um toiro no Campo Pequeno, pelo que acabou em tribunal, outro tanto sucedendo em 159 com Antonio dos Santos. No período revolucionário de 1974 e 1975 foram vários os diestros que mataram toiros em Portugal e alguns deles tiveram que enfrentar por esse facto. O último caso de violação da lei aconteceu Setembro de 2001, na Moita do Ribatejo quando “Pedrito de Portugal” matou um toiro, tendo sido condenado em tribunal ao pagamento de uma coima de 100 mil euros.
Na actualidade, estão proibidas em todo o território nacional as corridas com toiros de morte (Lei 19/2002) à excepção das localidades onde haja uma tradição ininterrupta de pelos menos 50 anos. Ora a única localidade portuguesa que cumpre esta condição nestas situações é Barrancos, no Baixo Alentejo em frente a Encinasola onde, pelas festas tradicionais de Agosto, são permitidas corridas com a morte do toiro.
A expansão
Tal como Espanha, que levou os toiros às diversas partes do seu império da América Latina, também Portugal difundiu esta arte pelas suas possessões ultramarinas, mas não só.
Portugal levou a tauromaquia à Ilha da Madeira, aos Açores, (as nossas duas regiões autónomas), Angola, Moçambique e Macau, enquanto territórios sob a sua administração, mas pela diáspora lusitana no mundo levámos também os toiros a França, ao Canadá, aos Estados Unidos, à Indonésia e às Filipinas.
Gostaria de realçar o caso muito particular dos Açores, região atlântica onde existe uma enorme afición, e que organiza, na Ilha Terceira, uma das feiras taurinas mais importantes do território português e cujos emigrantes tanto têm ajudado a divulgar a festa de toiros nos Estados Unidos da América, designadamente no estado da Califórnia.
Artigo de Opinião de Dr. Paulo Pereira, Relações Públicas da Sociedade Campo Pequeno, S.A.
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